domingo, 30 de junho de 2013

POR QUE OS CARROS ANTIGOS ESTÃO TÃO CAROS?

O sonho do antigomobilismo está cada vez mais distante para quem ainda não embarcou no seu clássico. O valor de um bom esportivo, como o Charger R/T ou o Maverick GT, saltou em quase dez vezes na última década. O que levou a este cenário de especulação e distorção de valores? E como fazer para comprar um carro antigo sem tanto sal?
Como todo movimento de insatisfação, é comum a busca de um cristo. Muitos falam no sucesso dos filmes “60 Segundos” (2000) e “Velozes e Furiosos” (2001) como os grandes catalisadores do movimento de especulação. Mas talvez eles sejam apenas duas figuras de um pano de fundo bem mais amplo e complexo: o Mustang Eleanor 1967 e o Charger 1970 de Toretto só foram sensacionais porque nossa cultura já vivia a todo vapor o resgate da cultura sessentista. Fenômenos assim não acontecem isoladamente.
Um dos primeiros sinais desta explosão foi o movimento britpop do comecinho dos anos 90. Blur, Oasis, Supergrass, Elastica… se você tem mais de 20 anos sabe bem do que estamos falando. Outra dica: a coletânea Number One, do Beatles, foi lançada dia 13 de novembro de 2000. Austin Powers? O primeiro é de 1997, o segundo, de 1999. E assim vai.
beatlesoasis
Em poucos anos, o resgate dos anos 1950 e 1960 se expandiu exponencialmente para todo tipo de produção material e cultural: roupas, gêneros musicais, motos (a Harley-Davidson explodiu no Brasil a partir de 2000 – e pense na moda das scooters), cortes de cabelo, o retorno à prateleira de filmes de Antonioni, Kubrick e Polanski, design de geladeiras, batedeiras, até as garotas pin-up voltaram com tudo, em releituras tatuadas bastante… interessantes.
sgcar
Todo esse tipo de coisa, em maior ou menor dose, virou parte de consumo orientado ao lifestyle: todos querem ser cool. A imagem abaixo, por exemplo, parece ter 40 ou 50 anos, mas foi feita em 2011: é de uma campanha da Chanel, estrelada por Keira Knightley. Sim, é uma Ducati Sport 750. O antigomobilismo, portanto, não é um movimento isolado. É só um balde d’água de uma enorme onda.
keirachanel
Em poucos anos, os carros antigos foram promovidos de velharias inúteis de pé-rapados para sonhos de consumo de todas as classes sociais. E nisso, tanto faz se você gosta deles pelo estilo, pelo prazer de poder mexer numa mecânica sem chips, se é algo da infância incentivado pelo seu pai, ou se o que você procura nos velhinhos é algo sensorialmente mais orgânico na sensação de dirigir: entram todos no mesmo bolo de extrema procura e de oferta limitadíssima. Por razões diferentes, todos querem brincar.
E é aí que o antigomobilismo se transformou em negócio, goste você ou não. Mas como foi que essa coisa se deu no mundo real, no mercado, no dia a dia? E como realizar este sonho?

A caça ao tesouro nas cidades do interior

A explosão de demanda do fim dos anos 1990 foi a oportunidade de ouro para quem estava atento no mercado dos antigos. E infelizmente, a maioria destas pessoas atentas não estava exatamente bem intencionada.
O movimento de especulação dos carros antigos se iniciou com uma verdadeira cruzada de traders, os caras que compram carros e os revendem na sequência, embutindo o seu lucro. Primeiro eles agiram nas próprias regiões, depois, nos bairros mais afastados e, finalmente, nas cidades do interior e até em países vizinhos (o que requeria um complexo e corrupto sistema de desmonte e transporte em caminhões-baú). Todos eles procuravam o clássico “carro do vovô”: aquele todo original, às vezes apenas com dezenas de milhares de quilômetros, que eram comprados por preço de banana por ingenuidade de seus donos e mentiras muito bem armadas pelos negociantes.
the-13-mile-barn-find-1978-corvette-indy-pace-car-image-corvette-mike-of-new-england_100373038_m
Muitos destes “carros de vovô” ainda estavam com seus donos porque, durante a década de 1980, estes automóveis valiam tão pouco que algumas pessoas preferiram ficar com eles, mesmo que ficassem encostados, juntando poeira. Quem viveu esta época sempre tem histórias de Fuscas, Dodges e Mavericks, muitos em bom estado, que foram trocados por fogões e bicicletas. Com esta referência, o que os negociantes ofereciam parecia ser uma fortuna. Mas era miséria. Na revenda, a margem de lucro de muitos passava dos 1000%.
Isso também aconteceu com os estoques de peças antigas sem uso – o famoso N.O.S. (new old stock). Muitas lojas e oficinas tinham caixas e caixas delas, que foram “rapadas” pelos negociantes por preço de banana, sempre acompanhada de uma história bizarra para justificar a compra em lote sem levantar muita desconfiança. Até borracharias foram reviradas, em troca de rodas valiosas (como as “castelinho” de Puma ou as Magnum 500 de Dodge).

Mercado Livre: a vitrine da especulação

A festa da especulação se dava – e ainda acontece – no site Mercado Livre, que explodiu na mesma época. Seu sistema de buscas simples, rápido e eficaz o transformou no grande mercadão antigomobilista. Os traders faziam (bem, ainda fazem) textos quilométricos, cheios de palavras difíceis e saborosas, para justificar preços que não tinham o menor nexo com o dos outros anúncios. E assim, começaram a surgir Mavericks de R$ 20 e 30 mil numa época em que R$ 12 mil era muito dinheiro por um mavecão em ótimo estado.
rockettt
A sequência disso foi uma bola de neve que existe até hoje: “cara, meu carro é tão bom quanto o desse Zé. Tô vendendo muito barato, vou aumentar o preço”. Esta distorção criou uma gíria negativa entre os antigomobilistas chamada “preço de mercado livre”, que vale pra carros e pra peças e que criou duas realidades paralelas que quase não se dialogam: o quanto que as pessoas pedem e o quanto que elas estão dispostas a pagar.
O resultado? Eu te digo: o mercado de carros antigos é absolutamente inerte. Você vai ver muitos anúncios que ficam por um, dois, três anos pendurados no ar. Os anúncios interessantes duram entre um e três dias: os tubarões fazem buscas diárias atrás de um bom negócio. A coisa é tão absurda que já vi carros com preço interessante desaparecerem em dois dias, para depois de dois meses, voltarem ao mesmo site por um preço absurdo – já nas mãos de um trader.
Em paralelo a isso, não faltam golpistas. Anúncios falsos que se beneficiam da agressividade do mercado (nunca deposite sinal sem ver o carro pessoalmente, sem recibo, etc), carros com sérios defeitos e que foram apenas maquiados, automóveis que apenas ganharam um banho de tinta e veículos reformados de qualquer forma que são chamados de “todo restaurado”, coisas assim. É, amigos… infelizmente, essa brincadeira está cheia de armadilhas. E foi assim que os negociantes ajudaram a inflacionar o mercado.

Custo da mão de obra e oficinas ultraespecializadas

A bolha também atingiu o setor de mão de obra. Há oficinas especializadas em restauração que cobram até R$ 40 mil apenas pelo processo de funilaria e pintura de um carro antigo em estado razoável. O preço é alto por várias razões: o processo é lento (ou seja, o capital não gira rapidamente), há muitos funcionários, e, bem, as pessoas estão dispostas a torrar uma fortuna pelas paixões. Afinal, negócios são negócios.
Muitas delas terceirizam uma mão de obra que não está barata (afinal, tapeceiros, eletricistas e funileiros sabem como está o mercado), outras lucram em cima das peças trazidas por importadoras (que já possuem a respectiva margem de lucro) e o resultado é uma restauração insanamente salgada – coisa de quase R$ 200 mil em alguns casos. Na hora de vender o automóvel, alguns donos tentam lucrar ou ao menos empatar o investimento: não rola. Principalmente nestas restaurações de boutique, geralmente inspiradas no programa Overhaulin’.
overh442
Portanto, no setor de mão de obra também existem duas realidades paralelas: o mundo de quem tem muito dinheiro e não quer encheção de saco e o mundo de quem garimpa as coisas, sangra, chora e sua. O problema é que o mercado destes carros é um só, e o cara que gastou R$ 130 mil pra restaurar o Landau dele não vai querer vender pelo mesmo preço do outro cara que gastou R$ 50 mil – mesmo que a qualidade do trabalho seja a mesma nos dois casos. E a recíproca procede. E é assim que a mão de obra ajuda a inflacionar o mercado. Bem, ao menos o trabalho é legítimo e sustenta pessoas que estão ralando duro.

Grandes eventos

Grandes eventos, como o encontro de Águas de Lindóia, poderiam ser patrocinados pela NASA. Eu, você e mais meia dúzia podem achar o fim do mundo o preço astronômico que se pede pelos carros e peças nestes eventos, mas, infelizmente, a outra meia dúzia – antigomobilistas de primeira viagem, com muita grana e pouca informação – paga sem pestanejar.
goldgto
Sabemos que o custo de transporte e de aluguel no espaço é bem salgado, mas também sabemos da sede de alguns negociantes e como o mercado ignora essas coisas: o preço final vira a regra de mercado, não importa o caminho. E é assim que os grandes eventos ajudam a inflacionar o mercado.

Como fazer?

No caso de você ter perdido o post “Vale a pena comprar um carro antigo para restaurar?“, vou republicar o guia com o caminho das pedras aí embaixo – mas antes, dou uma dica extra: faça barulho. Faça todo mundo saber que você quer comprar o carro “X”. Colegas de trabalho, parentes, amigos, conhecidos, mecânicos, publique no seu perfil do Facebook, etc. Você não faz ideia de quantas pessoas falam para mim que viram um Dodge assim ou assado em tal lugar, só porque tenho um Dart.
E não deixe de fazer as suas cruzadas rumo ao interior. Com sorte, você topa com um “carro de vovô” que escapou aos tubarões do mercado. Talvez você espere por dias, semanas, meses, anos. Vai da sua determinação.
mustanggaragefind
1) Só vá atrás de um antigo depois que você tiver estudado seriamente todos os seus detalhes e defeitos. Se apresente num fórum e acompanhe-o por algumas semanas sem falar muito. Você vai descobrir quem são os gurus, quem são os intolerantes, os piadistas, etc. Muitos deles você irá conhecer pessoalmente no futuro – alguns podem virar inclusive amigos pessoais. Por isso, pense bem antes de escrever, especialmente em discussões
2) Paralelo a isso, acompanhe os sites de anúncios: Mercado Livre e Webmotors são os principais. Se você encontrar um carro que você se apaixonou, encaminhe o anúncio para um ou outro guru do fórum e peça a opinião dele – 90% dos carros anunciados são carros conhecidos pelo meio. Talvez o cara não responda – não se ofenda com isso. É importante ter o aval de um funileiro e de um mecânico de confiança – se você não possui ninguém, procure referências publicamente
3) Além de ver carros, pesquise a fundo preços de peças e de mão de obra. Aos poucos, você vai descobrir outros lugares além do Mercado Livre. Vai descobrir que comprar peças em encontros quase nunca compensa e que algumas peças de acabamento novas e  importadas são mais baratas que as usadas no Brasil. E também vai descobrir que um par de lanternas pode custar a metade da retífica de um motor. Por isso, não subestime nenhum detalhe
4) Não compre um carro antigo que precise ser desmontado – deixe esse emaranhado de nós sem fim para os (bem) experientes. Você vai precisar restaurar frisos, comprar borrachas novas, pagar a mão de obra do desmonte e do remonte, podres novos serão descobertos, parafusos podem ser perdidos, peças podem ser quebradas – e, com tudo isso, é bem fácil passar dos R$ 10-20 mil de despesas em detalhes. Ao frigir dos ovos, compensa mais ter um carro bom de lataria e pintura com motor rajando que outro com motor perfeito e lataria podre. Afinal, na pior das hipóteses você troca de motor – e não dá pra fazer isso com um monobloco estragado. Compre um carro cuja lataria e pintura esteja num estado e cor que você goste
5) Faça contas de detalhes: não despreze grades quebradas, lanternas danificadas, bancos estragados, painel destruído por um rádio moderno, rodas ruins e pneus gastos. Lembre-se de que não foram só os carros que sofreram com a especulação: as peças e a mão de obra também subiram no telhado. Por outro lado, estes detalhes podem ser resolvidos ao longo dos meses e anos – e o mais importante: com o carro rodando. Não tem coisa que desanima mais do que um peso de papel de uma tonelada
6) Grana e paciência. Carros antigos quebram. Junte o dinheiro para comprar o carro e fazer a manutenção básica, mas tenha uma reserva e um plano (telefones de guinchos, garagem segura onde ele pode ser encostado) para imprevistos. Eles sempre acontecem – mesmo com carros dignos de exposição. Por isso, não se frustre nem desista do sonho tão facilmente – o antigomobilismo exige determinação e paciência
7) Quando é bom e rápido, não é barato. Quando é barato e rápido, não é bom. Quando é bom e barato, não é rápido
8) Quando você tem tesão e tempo, não tem grana. Quando você tem grana e tesão, não tem tempo. Quando você tem tempo e grana, não tem tesão
9) Carros americanos são os mais fáceis (não necessariamente os mais baratos) de serem mantidos, porque a indústria de peças aftermarket é monstruosa e os motores tendem a ser robustos
10) Carros brasileiros da década de 1980 são dos mais em conta de serem comprados, mantidos e restaurados, ao menos por enquanto. Mas algumas peças de acabamento são quase impossíveis de serem encontradas. Não subestime nada: um carro nascido em 1983 tem 30 anos nas costas! Importados da década de 1980 e 1990 também são boas apostas, principalmente trazendo peças dos EUA – mas o motor e o câmbio precisam estar em bom estado. E não deixe de conferir o valor das centrais eletrônicas (ECU). Algumas custam mais do que o próprio carro!
11) Seu mecânico vai virar um cara mais importante que o seu chefe: se você conseguir achar um cara de confiança, competente e com boa reputação no meio, sua vida está resolvida
Fonte: Jalopnik.

Nenhum comentário:

Postar um comentário